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domingo, 19 de junho de 2011

"Eu preciso me internar"

Nós, jornalistas contamos histórias todos os dias. A maioria passa, poucas ficam. Esta, que segue abaixo, é uma delas. A reportagem fala de uma epidemia que vem assolando a maioria das cidades brasileiras: o crack.



Foi numa segunda-feira, 13 de junho, quando recebi a "missão" de fazer uma matéria sobre o tema. Mas faltava o que nós, jornalistas, chamamos de "personagem", alguém que ilustre, que sirva de exemplo sobre o caso que queremos mostrar. Como sem o tal personagem, eu não conseguiria fazer a matéria,  propus para o meu chefe adiar a reportagem para o dia seguinte. Para o dia, eu podia aproveitar que era dia de Santo Antônio e fazer a matéria sobre um dos santos mais queridos e populares do Brasil.

Ele topou e parti para Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde o dia 13 de junho é feriado em homenagem ao santo casamenteiro.

Estava na porta da igreja, fazendo entrevistas, quando fui abordada por um homem na faixa dos 40 anos, mal vestido, mas extremamente bem educado e articulado. Ele contou que era vendedor de sapatos, mas tinha largado tudo por causa das drogas. A esposa, também dependente química, seguiu o mesmo caminho e abandonou a faculdade de psicologia pelo crack. Os dois estavam na porta da igreja porque não tinham mais para onde ir, venderam casa, carro e até roupas para comprar droga.

A mulher, chamada Priscila, me chamou ainda mais atenção. Ela vem de uma família de classe média, é filha de um policial,. Magra, cabelos loiros, aos 33 anos, seria uma linda mulher se tivesse os mesmos cuidados que nós temos, mas o corpo agora estava castigado pelo uso contínuo das drogas. Teve dois filhos e acabou deixando-os com os pais, sabia que assim eles estavam melhor.

Os dois chegaram ao fundo do poço e tinham noção disso. Queriam ser internados em um abrigo público e perguntaram se eu poderia ajudá-los. Eram exatamente o eu que precisava para fazer a matéria, tinha encontrado os personagens na hora que deixei de procurar.

Expliquei aos dois o assunto da reportagem e perguntei se eles poderiam dar entrevista. Eles toparam na hora. Diferentemente do que acontece na maioria dos casos, o casal não pediu para esconder o rosto, nem para distorcer a voz. Pelo contrário, aceitaram e quiseram aparecer de cara limpa. E assim contaram a história da vida deles, com uma coragem e clareza que me impressionaram. No fim, fizeram um apelo para que outras pessoas não caíam na cilada que eles caíram. "Você acha que está usando a droga, mas no fim, é ela que te usa. Você vira uma marionete", alertou o homem.

Infelizmente, na TV, o tempo é curto e apenas uma pequena parte da longa entrevista foi ao ar. Mas, ainda assim, é suficiente impressionar aqueles que a assistirem, assim como me impressionou.

Quando cheguei na redação com a história, minha chefe sugeriu ligarmos para a secretaria de Assistência Social para tentarmos conseguir uma vaga em um dos três centros públicos de tratamento. O problema era que eles não estavam com telefone, tnham vendido até o celular para comprar drogas...


sexta-feira, 10 de junho de 2011

O acidente da Gol e a busca pelos pilotos americanos

Em outubro de 2006, 154 pessoas morreram em um acidente entre o vôo 1907 da Gol, que seguia de Manaus para o Rio, e um jato Legacy da empresa americana ExcelAire. Todas as vítimas estavam no avião. Os pilotos do jato, os americanos Joseph Lepore e Jan Paul Paladino nada sofreram, mas durante quase dois meses ficaram impedidos de deixar o País. O local onde eles aguardavam uma decisão da justiça foi mantido em sigilo até que tivemos a informação de que os dois estavam em um hotel de luxo na Praia de Copacabana, que pertecence à uma rede americana. Um esquema de segurança equivalente a de uma celebridade foi montado na tentativa de "blindar" os pilotos e eu fui escalada para me hospedar no hotel com uma câmera escondida para tentar registrar uma imagem dos dois ou, ao menos, confirmar a informação de que era lá mesmo que eles estavam.

Esse tipo de cobertura, em geral, é feito por produtores, jornalistas que não aparecem no vídeo e assim podem circular sem serem notados. Eu, nessa época, já trabalhava como repórter, o que tornava minha "missão" ainda mais difícil.

Ciurculando pelas áreas comuns do hotel fiz algumas descobertas. Uma delas era que o professor de ginástica da academia do hotel tinha perdido um parente no vôo. Ironia do destino, entre tantos hotéis na cidade, os pilotos tinham escolhido justamente aquele onde um dos funcionários estava diretamente ligado ao acidente. O homem estava revoltado com toda a situação e, durante a conversa me deu algumas notícias: 1) os pilotos realmente estavam hospedados lá 2) um andar inteiro tinha sido fechado e era proibido circular por lá 3) eles dificilmente saíam do andar . O quê fazer, então?

Jornalista é um ser insistente na sua essência, eu ainda tenho agravante de ser mulher, geminiana e apaixonada pela profissão.. Resumindo, posso ser extremamente chata e persistente a tal ponto que resolvi subir de escada os 16 andares que separavam o andar dos pilotos do meu. Câmera escondida acionada, ao chegar no andar dos dois encontrei dois (!) seguranças responsáveis apenas por vigiar o corredor.
Consegui fazer imagens deles antes que me vissem. Logo que me avistaram, comunicaram que era proibido circular por ali, me fiz de turista acidental, perguntei se havia alguma celebridade hospedada e eles negaram.

Já tinha garantido material para a reportagem do dia que relatava, entre outras notícias, exatamente como era esse esquema reforçado de segurança em torno dos pilotos americanos. O problema foi que gostaram tanto do material que, no lugar de me liberarem, pediram para ficar mais um dia hospedada no hotel para tentar pegar algo mais.

O único porém foi que, depois que a matéria foi ao ar, o esquema de segurança que já era pesado, virou uma fortaleza. No dia seguinte, ao abrir a porta da escada do andar onde estavam os pilotos, em vez de encontrar dois segurança, me deparei com seis brutamontes, entre eles um que deveria ser o coordenador e não estava nada feliz em ver a jornalista responsável por burlar todo o esquema montado. Ao me ver, ele estendeu a mão e disse secamente "Olá jornalista Mariana Procópio. Sei que você está com uma câmera escondida e posso mandar prendê-la por isso".

Respondi que achava que, se alguém devia ir para cadeia naquela situação, dificilmente seria eu, e sim os pilotos que ele tentava proteger. Peguei minhas escadas de volta e deixei o hotel. Poucos dias depois, saíram também os pilotos americanos, que na volta para os Estados Unidos foram recebidos como heróis.

Somente agora, em maio de 2011, Joseph Lepore e Jan Paul Paladino foram julgados pela justiça brasileira. Os dois foram condenados a prestar serviços comunitários pelo crime de atentado contra a segurança do transporte aéreo. Eles poderão cumprir a pena  nos Estados Unidos, onde vivem atualmente. Paladino trabalha na companhia American Airlines, e Lepore continua na empresa de táxi aéreo ExcelAire, proprietária do Legacy. Ainda cabe recurso da decisão.

Com crianças durante plantão na casa de um ex-vereador preso pela polícia


quarta-feira, 1 de junho de 2011

A cobertura do vôo da Air France

Cá estou em mais um plantão. Começo a manhã em frente a casa de um ex-vereador acusado de envolvimento com o jogo do bicho. Eu e toda a imprensa esperamos a saída dele do apartamento algemado, esperamos e esperamos.. há quase três horas. E nessa espera  lembro que há exatos dois anos, a esta hora, estava em uma correria frenética pelo Aeroporto Internacional para cobrir o acidente com vôo da Air France.

Fui a primeira equipe a chegar na redação daquela segunda-feira. Assim que entrei, soube que um avião tinha desaparecido do radar e só. Lembro que estava escalada para fazer uma matéria sobre a obrigatoriedade de tocar o Hino Nacional nas escolas do município (as grandes histórias não acontecem todos os dias). Diante da informação, mudamos o rumo e seguimos para o Galeão.

No aeroporto, parecia que nada tinha acontecido. O balcão da Air France estava fechado, os corredores vazios até que a notícia foi confirmada: o avião tinha caído. Telefones tocando a todo instante, entrada para rádio, para TV, enquanto encarava a difícil missão de abordar os parentes que chegavam em busca em informações.

Aos poucos, as vítimas ganhavam rostos a medida que conhecíamos as histórias de cada uma:  a família que viajava junto, o casal que estava em lua de mel, o engenheiro que seguia para África, o jovem comissário de bordo brasileiro que tinha um futuro promissor...

Seguindo a cartilha de "gerencimento de crises", a Air France montou uma base para atendimento aos parentes em um hotel na Barra da Tijuca (desta forma, diz a regra, a imagem da companhia fica "menos desgastada", já que se desvincula do centro da crise). Mas o que parecia certo para a empresa, foi extremamente desgastante para nós, jornalistas, e para as famílias das vítimas também, já que as entrevistas eram feitas na porta do hotel, no meio do empurra empurra, sem a calma e o cuidado que uma situação como essa exigiam.

 Por tudo isso, muitos parentes evitavam dar entrevistas, mas mesmo aqueles que se recusavam falar, nos procuravam, sem as câmeras e sem o microfone,  para entregar fotos dos parentes. Queriam divulgar a imagem de quem se foi, como uma espécie de homenagem, acredito eu.. Uma entrevista em especial me marcou: foi a do pai de um engenheiro que estava no vôo, que mesmo diante de todas as probilidades, ainda mantinha a esperança de encontrar o filho vivo. Nelson Freitas Marinho hoje é presidente da associação de parentes das vítimas do vôo..

Em breve, vou postar a entrevista aqui, assim que terminar o plantão..

terça-feira, 17 de maio de 2011

Corrida Alemão

Corrida do Morro do Alemão: participando e trabalhando (detalhe para a câmera na mão). As fotos são do fotógrafo Alexandre Vieira


Esta foi tirada pouco antes da corrida: eu e o cinegrafista João Souto

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Do alto do Alemão


Este vídeo foi feito no alto do morro que divide os Conjuntos de favelas do Alemão e da Penha.
Profissionalmente, foi bem bacana, mas como experiência pessoal foi incrível ! Todos os participantes juntos no mesmo clima de união,assim como pos moradores que da porta das casas incentivavam os atletas. ..

Na corrida do Alemão



Corrida do Alemão.  A idéia era cobrir a corrida de quase cinco quilômetros, que começa na Vila Cruzeiro e termina no Morro do Alemão. É o mesmo caminho feito pelos bandidos para fugir quando a polícia tomou a Vila Cruzeiro, em novembro de 2010. Mas em lugar de apenas registrar o fato, por quê não participar? Com uma câmera na mão e algum fôlego, lá fomos nós! No caminho, encontrei até com o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, que também participou da prova e deu uma entrevista exclusiva. O resultado está nos vídeos que seguem!


sexta-feira, 13 de maio de 2011

Um oração por uma matéria..

A denúncia era de superlotação no Hospital Geral de Bonsucesso, que fica na zona Norte do Rio e pertence ao Governo Federal. Pacientes estariam dormindo no chão da Emergência da unidade. A informação era boa, no entanto, esbarramos na dificuldade de fazer imagens dentro do hospital. Nós, equipes de TV, não podemos passar da porta de qualquer hospital, especialmente público. Somos barrados por seguranças que, se precisar, usam até violência para impedir a nossa entrada. Então, como fazer?

Ligamos para o Sindicato dos Médicos que confirmou a denúncia e ofereceu uma alternativa: eles poderiam nos dar o nome de um dos pacientes que estava internado na emergência. A equipe tentaria entrar no horário reservado às visitas usando o nome dele. A orientação era de que a pessoa que fosse fazer a tentativa falasse que ia até a emergência fazer uma oração a pedido da família, o que é comum em casos como esse. E quem foi escolhida para tentar entrar? A repórter que vos fala.. Vesti uma calça jeans surrada, blusa bem larga, sandália de dedo, cabelo preso, celular na mão e lá fomos nós...

Cheguei no hospital no início do horário de visita. Uma funcionária estava com a lista dos pacientes na mão distribuindo as senhas. Eu dei o nome do paciente que o Sindicato tinha me passado e quando me preparava para receber a senha fui surpreendida pela filha dele que estava ao meu lado indignada (não sem razão): "Minha família não pediu oração nenhuma! Quem é você?", indagava em voz alta atraindo a atenção de quem estava na sala, inclusive da segurança. Não tinha saída. Puxei a mulher para o canto e contei a verdade." Sou repórter, estou tentando entrar no hospital para registrar a superlotação. A idéia é ajudar, tentar mudar essa situação ". A filha do paciente se acalmou e para meu alívio concordou em me ajudar. "Realmente a situação lá dentro está crítica. Faz o seguinte: eu vou visitar meu pai, fico meia hora, depois saio e te dou a senha".

Trato feito, esperei a minha hora. Ao entrar, confirmei o que a denúncia apontava: pacientes aguardavam atendimento em macas espalhadas pelo corredor e até mesmo no chão. Com um celular na mão, fiui fazendo as imagens. Mas precisava de mais. Tinha que ouvir parentes e pacientes. Foi então que avistei uma mulher sentando na maca de uma senhora conversando. Me aproximei e para justificar a conversa lembrei da tal história da oração, e ofereci: "Oi, vocês gostariam de uma oração?". Na hora, as duas mulheres concordaram. Eu, então, puxei o assunto do hospital: "Antes, me contem como estão as coisas por aqui? Há muitos problemas?". As duas relatataram uma série de dificuldades, falta de medicamentos e até de lençol e gaze. Gravei os depoimentos, agradeci e quando me preparava para ir embora, a filha da paciente indagou "E a oração?". Eu não sou uma pessoa religiosa, fui batizada na Igreja Católica, mas raramente vou à missa. Também só frequentei cultos evangélicos a trabalho, portanto nunca tive a intenção de fazer a oração. Era só a maneira de conseguir chegar até os pacientes. No entanto, lá estava eu diante das duas mulheres que, com os braços abertos e palmas da mão para cima, aguardavam a minha oração. O que fazer? Se eu revelasse a verdade, corria o risco de ser denunciada lá dentro e ter o celular tomado das mãos.

Dei a mão à elas e, de olhos fechados, falei o que me passava pela cabeça. Acho que misturei Nossa Senhora com Glória Deus. Só sei que quando terminei, as duas me olhavam com uma cara de espanto que denunciava que a minha oração tinha fugido do comum. Sem dar tempo para elas reagirem, agradeci e saí rapidamente do hospital ainda sem acreditar no que tinha feito.

A matéria foi ao ar, teve boa repercussão e espero que tenha ajudado a melhorar a situação daqueles que lá estavam e que tantas vezes precisam apelar para os céus em busca de ajuda..

Na Plataforma p-18 da Petrobras, Bacia de Campos

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Ronaldinho vai à Academia Brasileira de Letras

Ronadinho Gaúcho recebe medalha na Academia Brasileira de Letras ?!  Quando soube da pauta que me estava destinada fiquei na dúvida se era "pegadinha".. Não, o assunto é sério: Ronaldinho, o técnico Vanderlei Luxemburgo e a presidente do Flamengo, Patrícia Amorim, tinham sido convidados pelos maduros letrados integrantes da ABL para um almoço, e entre um prato e outro, o jogador seria condecorado com a Medalha Machado de Assis, a mais alta honraria concedida pela ABL. Por quê Ronaldinho seria merecedor de tal homenagem ? Isso ninguém sabia dizer, mas que a história era divertida, isso era.. E lá fui eu cobrir o tal almoço.

No caminho, segui pensando o que poderia perguntar ao craque. Embora adore futebol, não cubro esporte e acho que a idéia era até fugir de assuntos ligados aos gramados... Lá chegando, encontrei um batalhão de repórteres e fotógrafos: assim como eu, a torcida do Flamengo também tinha achado a pauta saborosa.. Empurra daqui, ajeita dali, chega o craque: cordão de ouro, brinco de brilhantes.. Traje Esporte Fino.

Nós,  jornalistas, só pudemos entrar na sala de chá, onde rolava o almoço depois que estavam todos instalados. Ronaldinho estava sentado ao lado do presidente da ABL, Marcos Vilaça.
Na frente de cada um dos convidados, havia uma plaquinha com os nomes antecedidos pela pomposa abreviação de Doutor. Tentei ver o do Ronaldinho. Será que ele também tinha virado Dr? O problema era que a tal plaquinha estava de costas para o local reservado aos jornalistas. Pedimos, então, eu e o cinegrafista Dil Santos, ao Ronaldinho para que ele virasse a tal plaquinha: "Ronaldinho, mostra prá gente". Ele olhou, sorriu e balançou o dedo em sinal de negativo. O quê?! Por quê não?!  Partimos para uma alternativa. Assim que o jogador se levantou, pedimos ao Luxemburgo: "Luxembro, vira a plaquinha do Ronaldinho prá gente". Também sinal de negativo.Os seguranças, então, começaram a expulsar os jornalistas da sala (nós somos na maioria das vezes muito bem tratados). Resolvi, então recorrer ao dono da casa, o presidente da ABL, que tão satisfeito que estava com a repercussão da tal cerimônia, nem tinha reparado nas negativas anteriores. "Presidente, mostra a plaquinha do Ronaldinho", "o que vc quer minha filha?" , " a plaquinha presidente" "O quê?", "a plaquinha! ". "Ah, só isso". E lá estava a plaquinha: Dr. Ronaldinho, feita aos 45 do segundo tempo. Abertura assegurada, faltava garantir o resto da matéria.

E lá estávamos todos posicionados para a coletiva que teve início com aquelas perguntas pró-forma: "Ronaldinho, já imaginou receber essa medalha?", "Está emocionado?". Até que fiz a tal pergunta que havia pensado no caminho: "Ronaldinho, já que estamos na ABL, gostaria de saber qual é seu livro preferido?". Silêncio geral. Ronaldinho gagueja, murmura e reconhece: "não, não tenho livro preferido".
Situação constragedora, alguns jornalistas me olham com reprovação, outros com um sorriso discreto até que o presidente da Academia quebra o silêncio. Entrega um livro ao craque e anuncia: está iniciando o jogador no mundo das letras..

Saí de lá com a matéria já montada na minha cabeça: começa com a plaquinha de Dr, segue para premiação e fecha com a história do livro. E assim foi ao ar, no entanto, quando a reportagem foi exibida recebeu críticas  por ter exposto o craque a tal "constrangimento". "Muito maldosa a pergunta" ouvi de outros jornalistas. Maldosa? Mas eu não perguntei o que ele achava do movimento modernista ou sobre a literatura brasileira, só quis saber se ele tinha algum livro preferido..

Levanto aqui a bola para quem quiser matar: o que acham da história?  Fui severa de mais com o craque que recebia a homenagem na Academia Brasileira de Letras ou Ronaldinho deveria ter lido ao menos O Pequeno Príncipe ? 

Segue o endereço da matéria para quem quiser participar...
 Matéria exibida no dia 11 de abril de 2011
http://bandnewstv.band.com.br/conteudo.asp?ID=462458&CNL=20

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Bastidores do caso Sean

Lendo as recentes notícias sobre as dificuldades que a família brasileira tem enfretado para conseguir ver o menino Sean, da morte do avô materno e tudo o mais que tem envolvido este caso lembrei-me da cobertura daquele Natal de 2009 e de algumas histórias e percepções envolvendo os bastidores da disputa que por inpumeros motivos nunca foram tornadas públicas.

Para quem não está familiarizado com o caso, aí vai um pequeno resumo: Sean Goldman nasceu em 2000 nos Estados Unidos, filho do americano David Goldman e da brasileira Bruna Bianchi.

Quatro anos depois, a mãe voltou para o Brasil com o menino. O pai ficou nos Estados Unidos e teve início uma pendenga judicial pela guarda definitiva de Sean, conquistada pela mãe na Justiça Brasileira. Bom, Bruna Bianchi se casou de novo com João Paulo Lins e Silva, de quem ficou grávida, mas morreu no parto da filha realizado na Casa de Saúde São José, tida como uma das melhores maternidades cariocas.

Depois da morte de Bruna, David Goldman entrou na justiça em busca da guarda definitiva do menino, então com 9 anos. Procurou jornais e programas de televisão americanos. O caso ganhou tal repercussão que acabou virando uma espécie de pendenga diplomática com o envolvimento até mesmo da secretária Hillary Clinton.

Bom, fiz este pequeno resumo para lembrar aquele natal de 2009, quando saiu a decisão definitiva da justiça brasileira de que o menino deveria ser entregue ao pai. A sentença final saiu no dia 23 de dezembro. Era plantão de Natal e estávamos todos os jornalistas na porta do hotel onde estava hospedado David Goldman, na Praia de Copacabana.

Nas vezes que tinha vindo ao Brasil anteriormente, o pai de Sean sempre estava disponível para a imprensa brasileira. A maior dificuldade era mesmo conversar com a família brasileira de Sean. No entanto, desta vez, David Goldman se recusou a falar com qualquer jornalista brasileiro. Logo depois, soubemos o motivo: ele tinha fechado um acordo com a rede de tv americana NBC que pagava hospedagem, tinha fretado avião e arcado com todos os outros custos da viagem. Soubemos que seria produzido um grande documentário sobre o tema.

Diante desta nova dificuldade, decidi pegar uma tangente. Assim que saiu a decisão defintiva, liguei mais uma vez para Silvana Bianchi, avó materna de Sean e que até então tinha se mantido em silêncio, apesar das inúmeras tentativas minhas e toda a imprensa.

Desta vez, no entanto, ela atendeu. Com a voz bastante baqueada, contou que tinha decidido finalmente falar porque estava revoltada com a maneira como o caso estava sendo tratado pelas autoridades brasileiras. Silvana contou que não aceitaria gravar uma entrevista ao vivo, mas que eu poderia gravar a conversa pelo telefone.

Surpreendida com a anuência dela depois de tantas negativas e com medo de que ela desistisse se houvesse alguma interrupção, comecei a gravar "no improviso". Botei o telefone no viva voz e encostei o microfone.

Estava na porta do hotel cercada por jornalistas que logo que assistiram à cena correram para ver o que estava acontecendo. Era do jogo, estávamos todos lá fazendo a mesma cobertura e assim eles ouviram e "colaram" o depoimento da avó.

Assim que a ligação foi encerrada, um dos jornalistas que acompanhou toda a cena e que eu não conhecia me abordou: "você estava falando com quem?". "Com a avó materna de Sean", respondi. Ele me perguntou o que ela tinha falado e eu contei. Ele saiu e logo em seguida voltou acompanhado de outro jornalista americano com traços orientais que me fez as mesma perguntas, só que desta vez em inglês. Dei as mesmas respostas até que ele me perguntou se eu daria uma entrevista sobre isso para o jornalista da NBC que estava dentro do hotel e era responsável por fazer o tal documentário com o pai de Sean. Jornalista dar entrevista? É meio estranho, mas liguei para o meu chefe, ele disse que não via problemas e tudo bem, concordei.

Eis que então sai do hotel o tal jornalista americano acompanhado de um verdadeiro séquito de produtores, brasileiros e americanos, câmeras, iluminadores e afins. Cabelo grisalho, blaser, calça jeans, peito inflado no melhor estilo " eu sou o que vcs, tupiniquins, almejam ser". Nos cumprimentamos e ele me fez mais uma vez todas as perguntas que tinham sido feitas pelos assistentes. Respondi de novo até que ele me questionou: "Você falaria isso para mim no microfone?". Propus, então, uma troca: " Claro, falo, mas se você gravar comigo falando sobre o documentário que está fazendo. Qual a relação com David Goldman e como ele tem reagido às recentes decisões". Na hora, ele ficou ainda mais branco, a expressão em seu rosto dava conta de que ele parecia não acreditar no que na cabeça dele era uma "ousadia" tremenda. Imagine, uma jovem jornalista brasileira querendo o que ele quer?! Onde já se viu?! O tal pavão começou a balançar a cabeça fazendo o sinal de negativo e, enquanto fazia isso era cercado por outros jornalistas brasileiros afoitos por notícias de dentro do hotel.

Ele estava sendo bombardeado por perguntas e, perdido, parecia não saber o que fazer até que saiu correndo, literalmente, de volta para o hotel. Deixou a equipe para trás com cara de quem não entendeu nada, exceto pelos produtores brasileiros que exibiram um discreto sorriso de canto de boca.

No dia seguinte Sean Goldman embarcou no avião fretado pela NBC para os Estados Unidos. O endereço que segue abaixo dá acesso à esta matéria.

Passado mais de um ano do caso, confesso aqui, com a clareza que o tempo traz às percepções, que fiquei com uma enorme dor no coração pelo menino e com uma sensação de que ele ainda enfretaria muitos outros pavões, jornalistas ou não. Espero que esteja errada..


Endereço da matéria Sean Goldman embarca para os Estados Unidos

Exibida no dia 24/12/2009
http://bandnewstv.band.com.br/conteudo.asp?ID=245247&CNL=20

sexta-feira, 25 de março de 2011

O BLOG

"Como é ser repórter no Rio de Janeiro ?" , "Você sente medo quando entra na favela?", " É você quem escreve os textos que vão para o ar?". Estas perguntas e outras tantas surgem assim que conto a  um novo conhecido que trabalho como repórter de televisão.

São tantos quetsionamentos que arrisco a dizer que a curiosidade por conhecer os bastidores deste universo é quase tão grande quanto o interesse pelas notícias em si. 

Por isso, a idéia de criar este blog. Para contar um pouco como funciona o processo de busca por notícias e também para expor histórias deliciosas que, por uma série de motivos, acabam não indo ao ar.

Para ficar mais divertido, vou selecionar aqui as principais coberturas recentes e também  aquelas futuras. Conto como foram os bastidotres da reportagem e no fim divulgo o endereço da matéria no you tube ou em outro site onde é possível conferir como ficou o resultado final.

Os primeiros textos são sobre a ocupação da polícia ao Morro do Alemão. São seis relatos, seguidos de seis reportagens. Quem tiver tempo e curiosidade, vale ler na ordem para visualizar toda a história/cobertura.

A sequência é: 1) A cobertura da ocupação no Morro do Alemão; 2) Os ataques 3) O Morro do Alemão 4) A Ocupação 5) O dia seguinte 6) As crianças do Alemão

Todos foram feitos com muito carinho por uma jornalista apaixonada pelo trabalho. Divirtam-se!

6) AS CRIANÇAS DO ALEMÃO


A cobertura do morro do Alemão se estendeu pela semana inteira. Eu brincava que o meu tênis ( embora adore um salto alto, era impossível trabalhar de sapato por ali) já sabia o caminho da favela sozinho. Se eu o esquecesse em casa, bastava abrir a porta que ele seguiria direto me encontrar.

A medida que eu  aprendia o caminho daquelas ruas, becos e vielas, me familiarizava com as pessoas que lá viviam. No fim de uma semana, passei a conhecer o dono da barraca de doces, do açougue, a vendedora da loja de vestidos (onde , claro, fiz uma aquisição que rende elogios até hoje)...

Me impressionou especialmente a quantidade de crianças que encontrava. De diferentes idades, elas lá vivem soltas na rua, são livres como não conseguem ser a maioria daquelas nascidas em berços mais abastados. Estão sempre sorrindo. Enquanto com os adultos eu precisava quebrar uma resistência inicial, com as crianças, a empatia era imediata. Elas se aproximavam, faziam perguntas, respondiam outras tantas e logo estavam me abraçando como se eu fosse uma velha conhecida. São carentes e também ingênuas. Puras e esperançosas. Têm o olhar repleto de expectativa que já não habita a maioria dos rostos mais velhos, castigados pela dura realidade.

Lembro de um dia ter estacionado o carro perto de onde estava um grupo de crianças. Estava um calor daqueles típico do verão carioca e o ar condicionado do carro estava ligado. Pouco antes de saltar, quando ainda estava tirando da bolsa os objetos que iria usar no meu dia de trabalho, as crianças se aproximaram. Eu abri a janela do carro e duas delas logo colocaram a cabeça para dentro. Ao sentir a temperatura mais amena do interior do veículo, elas abriram o sorriso e me olharam supresas "Mas aqui está geladinho!". "É o ar condicionado. Gela o ar", eu expliquei. "Posso dormir aqui?", um delas indagou de pronto.
 
Diante de toda essa experiência sugeri na redação fazermos uma reportagem para fechar a semana mostrando de perto como eram esses moradores, os grandes e pequenos. Uma matéria leve, sem pauta pré definida, buscando personagens e depoimentos. A proposta foi aceita e na sexta-feira saímos eu e o cinegrafista Dil Santos pelas ruas do Alemão à procura de histórias.

Encontramos um mototaxistas que já pensava em fazer curso de inglês para atender turistas e também um baleiro que queria construir um parque para crianças. No caminho, cruzamos com uma equipe do Sebrae, o serviço voltado para a pequena e média empresa. Os funcionários estavam percorrendo a favela para fazer um levantamento inicial de quantos estabelecimentos comerciais existiam lá e qual era situação deles, se estavam legalizados.

Num ambiente onde até as ligações de energia são clandestinas, encontrar um comerciante com CNPJ é como achar um diamante num deserto. Mas não é que aqueles técnicos tinham encontrado uma pedra preciosa? Surpresos, contaram que um dos salões de beleza do alto da favela estava devidamente registrado.

Resolvemos ir até lá. Ao chegar, mais uma supresa: o salão era especializado em "cortes com estilo", serviço que tinha se tornado mania entre a garotada que morava por ali.  Os proprietários, dois irmãos vindos do Nordeste, eram verdadeiros artistas: com a máquina de cortar cabelo faziam desenhos incríveis na cabeça das crianças que, pelas ruas esburacadas de terra batida, desfilavam orgulhosas. O preço do encanto? Sete reais.

Assim que cheguei, o salão estava vazio. Fomos dar uma volta, retornamos uns vinte minutos depois e tcharam.. tinha até "fila"! Descalços e sem camisa,  meninos que deviam ter no máximo 11 anos se espremiam no banco à espera do próximo corte. O melhor foi a resposta de um destes clientes mirins ao ser indagado pela repórter aqui o que o levou a cortar o cabelo nesse estilo. "Para ficar bonito e pegar mulher". Elementar...

Neste endereço eletrônico, é possível assistir a reportagem que mostra o salão de beleza mais estililoso do Alemão e seus clientes cheios de "más intenções"...

http://www.youtube.com/watch?v=Jff-mVnWns0&feature=related

5) O DIA SEGUINTE

Pude sentir a  primeira mudança no Morro do Alemão antes mesmo de chegar à favela.

Ainda era início da manhã de segunda-feira e o trânsito na ruas próximas  já estava horrível. Demoramos quase uma hora para percorrer o trajeto que antes fazíamos na metade do tempo. Mas a medida que nos aproximamos, percebi que o congestinamento era, por incrível que pareça, um bom sinal. Era provocado pelos ônibus que tinham voltado a circular e também por veículos e máquinas da Prefeitura que seguiam para a favela para tentar minimizar o estrago feito pelos traficantes pouco antes de fuga. A vida por aqueles lados começava a voltar ao normal.

Dentro da favela, as mudanças continuavam: as crianças, muitas já de férias, saíam de casa para brincar e comerciantes começavam a abrir as portas. As ruas estavam ocupadas por policiais e por homens das Forças Armadas que continuavam fazendo buscas à procura de armas e drogas abandonadas pelos bandidos.

Começaram a surgir denúncias de abuso de autoridade. Moradores reclamavam que policiais tinham arrombado a porta das casas. Na verdade, na maioria dos casos, o que acontecia era um problema tão particular quanto aquela situação.

Era segunda-feira, e os moradores precisavam ir trabalhar. Eles saíam e deixavam a casa trancada. Por outro lado, os policiais responsáveis pelo patrulhamento tinham a missão de revistar casas, já que que traficantes e armamentos poderiam estar escondidos em qualquer lugar. Eles batiam na porta da casa, ninguém respondia, eles arrombavam. E quando o morador voltava do trabalho, encontrava a porta destruída e os móveis revirados ( isso quando não sumiam objetos pessoais, já que a casa ficava aberta).

Muitos começaram a deixar bilhetes na porta de casa que avisavam"senhores policiais, essa casa já foi revistada. Saí para trabalhar" ou "Há crianças dormindo". Mas como saber se as mensagens eram verdadeiras?

Enquanto tentava entender este problema, surgiu uma denúncia grave. Estávamos, eu e o cinegrafista Dil Santos, caminhando pela favela  quando um morador nos abordou perguntando se nós sabíamos  da história do Raimundo. Que história? Eu não sabia de nada, respondi. Ele contou que o Raimundo era um morador antigo, tinha um bar no primeiro andar da casa e foi acusado por um policicial de ser informante de traficante. Este policial teria agredido o homem e feito uma ameaça: se ele não deixasse a favela nos próximos dias, seria morto.

A denúncia era grave e partimos em busca do Raimundo. Pergunta daqui, e de lá, conseguimos chegar até a casa dele. Encontrei Raimundo na porta do bar, que estava fechado. Assim que o vi, o seu rosto me pareceu familiar. Me apresentei e comentei que tinha a impressão de que o conhecia. Raimundo respondeu desconfiado, ainda estava muito abalado com tudo o que aconteceu.

Aos poucos, fomos conversando e ele me contou a história. A casa dele ficava bem perto de uma boca de fumo. Além de vender a droga, os traficantes ainda usavam uma espécie de galpão ao lado para embalar cocaína e maconha. Resultado: todos os bandidos frequentavam o tal bar do Raimundo. " E como eu não vou vender cerveja para esses caras? Imagina o que ia me acontecer se eu fizesse isso? ", indagava o comerciante.

Ele contou que no dia da ocupação várias tropas policiais entraram na casa em que ele vivia com a mulher e os três filhos. Primeiro veio a Civil, revistou o local, nada encontrou e foi embora, com o Bope (Batalhão de Operações Especiais) aconteceu o mesmo, mas no fim do dia, dois policiais militares entraram dizendo que sabiam que ele escondia drogas. Mesmo sem terem encontrado nada continuavam insistindo na denúncia até que um deles fez a ameaça de que Raimundo e a família teriam que sair da favela em uma semana.

Raimundo, um paraibano de olhos claros de cerca de 50 anos, contava essa história aos prantos, diante do olhar desesperado da mulher e dos três filhos.Disse que tinha procurado o comandante do Batalhão de polícia da área e que este tinha lhe dito para ficar tranquilo, que nada ia  acontecer. Mas ele não tinha conseguido dormir direito, não sabia o que fazer.

Olhando aquele homem, pai de família, desabafando, eu consegui finalmente lembrar de onde o conhecia: era o Raimundo, dono da barraca da praia que eu frequentei durante toda minha adolescência. Ficava na praia de Ipanema, no posto 10, em frente a Rua Aníbal de Mendonça. Assim que falei com ele, Raimundo lembrou de mim, dos meus amigos, namorados.

O rosto se abriu num sorriso, contou que há uns seis anos tinha perdido a licença da prefeitura e então montara o bar no andar térreo da casa.  Ele virou para a mulher e disse " Ela me ajudou a construir a nossa casa. Muitos tijolos desses foram pagos com a água de coco dela". Ofereceu um refrigerante para mim e para o meu cinegrafista. Sem jeito, declinamos"Imagina, Raimundo, você com esse problema, o bar fechado, não precisa". Mas enquanto eu falava, ele já estava pegando as bebidas. Também não adiantou insistir em pagar, ele nem quis ver o dinheiro.  "Questão de honra", me respondeu com um sorriso no rosto.

Neste endereço, você asssite à reportagem que mostra como foi o dia seguinte à oucpação da polícia no Morro do Alemão.
http://www.youtube.com/watch?v=FlArjta7Wrw

ESTA HISTÓRIA CONTINUA EM "AS CRIANÇAS DO ALEMÃO"

4) A OCUPAÇÃO

O sábado foi de expectativa frustrada. Policiais e bandidos continuavam naquela batalha distante, portanto, no fim do dia, entre os jornalistas, já era dado como certo que o domingo seria o dia da ocupação. 

Todos os repórteres foram convocados para trabalhar, mas como eu já estava de plantão, fiquei com a missão de ser a primeira equipe. No jornalismo diário, na maioria dos casos, a primeira equipe a chegar é uma das últimas a sair. Isto porque as grandes reportagens, as melhores histórias, quase sempre acontecem pela manhã. Nesse dia não foi diferente. 

Às cinco horas da manhã de domingo eu, o cinegrafista Sergio Colonesi e o auxiliar Edeilton Macedo saímos com destino ao Morro do Alemão. Seguíamos no carro blindado, com o colete à prova de balas, mas confesso que todo esse aparato não diminuía o frio na barriga diante da expectativa de estar prestes a viver o que prometia ser um momento histórico e extremamente violento.
 
Pouco antes de chegar, nossa equipe já teve uma mostra do que poderia vir. Estávamos a poucos metros do morro do Alemão. Os policiais ainda cercavam os acessos, a ocupação não tinha começado, mas o confronto sim. No morro do Adeus, favela que fica ao lado do Alemão e que era então dominada pela mesma facção criminosa, policias e traficantes trocavam tiros. Paramos o carro a poucos metros, o cinegrafista Sergio Colonei já saltou com a câmera em punho, como uma arma pronta para disparar. Eu ainda fiquei alguns segundos no carro, respirei fundo e saí agachada. Parei próximo a um bar onde moradores tentatavam se proteger: eram homens que tinham saído para trabalhar, senhoras que tentavam chegar na igreja, mulheres que foram comprar pão. Todos estavam ali parados, imobilizados pelos disparos.
 
Quando os tiros cessaram, eu saí na rua para conversar com essas pessoas que tentavam chegar ao seu destino. Falei com um gari que estava indo para o trabalho. Ele, coitado, gaguejava de tão nervoso. Depois, abordei uma senhora que estava indo até um ponto de ônibus para visitar parentes. Ela parecia não ter idéia do que estava acontecendo, e justamente no meio da entrevista, os disparos recomeçaram. A senhora continuou de pé, com o olhar perdido até que eu a puxei para trás de uma construção metálica onde, acredito, devia funcionar um chaveiro ou algo assim. Toda a cena foi registrada pelo bravo cinegrafista Sergio Colonesi que não parou de filmar mesmo estando na linha de tiro. Lembro de que nesse momento olhei o relógio.  

Eram 6h30 de domingo. Para a maioria das pessoas o dia ainda não tinha começado e lá estava eu, agachada no chão, tentando trabalhar sem ser atingida por um tiro.
 
Depois de dez minutos, o tiroteio deu uma trégua e pudemos avançar. As tropas das forças Armadas e das polícias federal, civil e militar já estavam a postos. O Morro do Alemão tem mais de vinte pontos de subida, mas para registrar a ocupação, nós tínhamos que escolher apenas um. Acabamos optando por ficar onde estava a maior quantidade de policiais e também onde estavam os mais graduados.

Pontualmente, às 8h da manhã, eles começaram a subir. Eu seguia atrás. No início , ouvimos alguns disparos. Duraram cinco minutos e então paráram. Enquanto subíamos, víamos as ruas desertas, ocupadas por motos abandonadas  e por barricadas erguidas pelos traficantes. Eles usaram pneus e até construíram blocos de concreto para impedir a subida de carros da polícia. Também destruíram parte do asfalto, abrindo verdadeiras crateras, como denunciara a moradora dois dias antes.
 
Os obstáculos barravam os caveirões, como são conhecidos os carros blindados da polícia, mas não impediam o avanço dos blindados das Forças Armadas. Como tinha acontecido na Vila Cruzeiro, a polícia ocupou em pouco tempo o Morro do Alemão. O banho de sangue previsto por jornalistas, especialistas e até pelas autoridades, não aconteceu. 

Os bandidos fugiram, escaparam sob circunstâncias que até hoje continuam sem respostas. Mas o fato é que, para aqueles moradores, uma nova realidade tomou forma a partir daquele domingo. Aos poucos, eles começaram a sair nas ruas. A maioria não queria ser filmada, temia ser repreendida por traficantes que poderiam voltar, mas, longe das câmeras, aplaudia a chegada da polícia. Literalmente. Em quase uma década cobrindo operações da polícia em diferentes favelas do Rio, nunca tinha visto algo assim.
 
A receptividade dos moradores evidenciava a angústia que eles tinham passado. O terror imposto por bandidos silenciou por décadas milhares de cidadãos que viveram os últimos anos à margem da lei. No morro do Alemão moram cerca de 400 mil pessoas, é mais do que em muitas capitais do Brasil. 
 
Lembro de ter conversado com um senhor de cerca de 70 anos. Ele tinha uma casa de três andares em um dos acessos à favela. Contou que começou a construir o imóvel há 40 anos. Na época, trabalhava como motorista e achou que ali seria um bom lugar para a família viver. O tempo passou e a vizinhança tranquila se transformou em uma das favelas mais violentas do Rio. Os traficantes construíram na porta da casa dele uma "casamata". Obrigaram pedreiros que moravam no morro a erguer a proteção feita com concreto maciço. E de lá, observavam e atiravam na polícia. Passavam a madrugada consumindo drogas, ouvindo música no último volume. 

O senhor via e ouvia tudo. Nem ele, nem a família, que incluía um neto de poucos meses, conseguia dormir direito, mas ninguém  podia falar nada. No território dominado pelos criminosos, a expressão Lei do Silêncio tem outro significado. Aquele senhor teve que se manter calado por tantos anos que mesmo com a favela tomada pela polícia, ele não quis dar entrevista. Mas, a imagem dele aplaudindo a chegada dos policiais do último andar de casa acabou ficando gravada, aqui na memória.

Neste endereço eletrônico, você consegue assistir à reportagem que mostra passo a passo como foi a ocupação da polícia no Conjunto de favelas do Alemão.
 http://www.youtube.com/watch?v=_l5xE90NnO8&feature=related

ESTA HISTÓRIA CONTINUA EM " O DIA SEGUINTE" 

3) O MORRO DO ALEMÃO

O dia começava repleto de novidades e desafios: a Vila Cruzeiro, uma das favelas mais perigosas do Rio, tinha sido ocupada no dia anterior pela polícia que tomou o território, mas não prendeu os criminosos.
Os traficantes fugiram, em bando, armados, para o conjunto de favelas do Alemão, até então considerado o Quartel General do Tráfico. A fuga foi acompanhada, ao Vivo pela Tv por gente de todo País. Lembro de passar por bares no caminho e ver todos os fequentadores parados em frente à televisão, acompanhando os bandidos que avançavam sem serem incomodados pela polícia. Atortoadas diante do flagrante de impunidade, as pessoas gritavam "Mata! Mata! Atira nos desgraçados", como se estivessem diante de um filme de ação...

Com toda essa repercussão, o conjunto de favelas do Alemão se tornava o "olho do furacão". Foi prá lá que os bandidos tinham fugido,  era para onde a polícia teria que ir e também o meu destino.
Mais uma vez, o bravo cinegrafista Leonardo Texeira foi escalado para ir comigo. No trabalho de rua, somos só nós dois. Por isso,  a parceria é tão importante. Basta um olhar diferente para que o outro entenda o recado. A compreesão de um gesto sutil pode selar a diferença entre uma matéria burocrática e um furo de reportagem.

 Bom, mas voltando à "nossa guerra", lá estávamos nós dois, mais uma vez, a caminho da favela. Ao chegar no Alemão, a situação que encontramos me impressionou. Do alto do morro, traficantes armados se escondiam atrás de barricadas improvidadas e observavam a polícia que se mantinha na parte de baixo, também atrás de algo que podesse ser usado como proteção: carros abandonados, postes, qualquer coisa.

Nestes casos, de confrontos abertos, nós, profissionais da imprensa, ficamos em uma situação beeem delicada. Procuramos ficar proximos à polícia para não sermos abordados pelos bandidos, no entanto, não podemos ficar perto de mais pois há o risco de nos tornamos alvos. Onde ficar, então? Era o que eu e meus colegas de profissãos tentávamos descobrir.

Buscava proteção atrás da pilastra, ao lado de um poste, mudava de lugar a medida que os tiros eram disparados. Não era um tiroteio frequente. Era pior, até. Durante 20,30 minutos traficantes e policiais se encaravam, cada um tentando localizar pela mira das armas a posição do outro. Então, eram feitos os disparos. Duravam cinco, dez segundos e recomeçava o silêncio de mais meia hora.

Em meio ao confronto, os moradores deixavam a favela. Eles desciam o morro com a quantidade de sacolas que conseguiam carregar. A maioria tinha crianças de colo e deixava a casa para trás para proteger os filhos da guerra que parecia estar cada vez mais próxima. Eu, como repórter, tinha que conseguir falar com eles. Um desafio e tanto para quem trabalha em televisão, afinal um depoimento como este pode até custar a vida de um morador, caso ele seja reconhecido por traficantes. Por isso, é mais do que compreensível que ele não queira gravar entrevistas. O  que eu podia oferecer de alternativa era a garantia de não mostrar o rosto do meu entrevistado. Eu posso filmar de costas ou apenas um pedaço dos corpo para preservar a identidade de quem está falando comigo. Reconhecer fica muito difícil, mas não impossível.Mesmo assim, alguns moradores aceitaram falar, acredito que eles queriam desabafar, contar como estavam se sentindo.

 Lembro de uma mulher em especial que trabalhava como empregada doméstica. Ela tinha que sair, precisava ir trabalhar,  mas não tinha onde, nem com quem deixar os três filhos de nove, sete e três anos. A solução foi orientar os mais velhos a, se ouvissem disparos,  correrem com o menor para um quarto da casa que ela acrediatava ser um pouco mais protegido.  Ela também contou que os traficantes estavam fazendo grandes buracos para impedir a subida dos carros de polícia. Por telefone, moradores procuraram a rádio Bandnews Fluminense Fm e disseram que os bandidos estavam invadindo casas. A polícia tinha que entrar o quanto antes, mas como, sem evitar um banho de sangue? A opção foi adiar a tomada da favela para o fim de semana. Era o meu plantão.
Neste endereço você consegue assistir a reportagem que foi exibida neste dia.

http://www.youtube.com/watch?v=-Cu3Vgxged4&feature=related

( A HISTÓRIA CONTINUA EM "A OCUPAÇÃO")

2) OS ATAQUES

Eu e o cinegrafista Leonardo Texeira saímos de Botafogo com destino à região onde os ataques estavam concentrados: a Zona Norte do Rio.

Minha missão era cobrir o chamado "entorno" das favelas. Mostrar como estava o dia dia de quem vive e trabalha ao redor dos morros ocupados pelos traficantes que promoviam a onda de ataques. Começamos a tentar fazer entrevistas com comerciantes, a maioria com muito medo de se expor diante de uma câmera. 
Tentava convencer um deles quando um morador passou gritando: "há tanques na rua, vai começar a guerra!". Pegamos o carro e corremos em direção ao "olho do furacão". 

 À medida que nos aproximávamos, a multidão aumentava, eram pessoas de todas as idades, algumas estavam vestidas para ir trabalhar, outras pareciam que tinham saído correndo de casa. Todas olhavam em direção a algo que ainda não conseguíamos identificar o que era. Víamos apenas as expressões delas, de susto, espanto. Não agüentei, desci do carro e fui correndo em direção à multidão. 

Quando me aproximei, me tornei mais uma com a expressão de susto, espanto, choque: a Avenida Brás de Pina, umas principais da região, estava fechada. No lugar de carros, tanques de guerra ocupavam a via. Homens das Forças Armadas e da polícia circulavam lado a lado. Todos com o rosto pintado prontos para a guerra que estava prestes a começar. Eles se preparavam para tomar a Vila Cruzeiro, uma das favelas mais violentas da cidade, até então território proibido para a polícia e, para nós, repórteres.

Assim que os tanques começaram a se mover, muitos moradores (e jornalistas) procuraram abrigo, afinal a expectativa era de um tiroteio enorme. Eu fui parar em um bar na entrada da favela. O local estava lotado e pela televisão, todos passsamos a acompanhar o início da tomada. As barricadas intransponíveis para o Caveirão, o carro blindado da polícia, eram destruídas pelos blindados da Marinha. Depois de assistir à cena, não agüentei mais ficar parada, "peguei" o bravo Léo, meu cinegrafista, e partimos para a rua que a esta altura estava deserta.

Apenas um ônibus circulava, fizemos sinal, entramos e, supresa, não havia ninguém, nem um único passageiro. O motorista e a trocadora estavam atônitos, sem saber direito o que estava acontecendo. Contaram que as poucas pessoas que estavam no ônibus desceram correndo depois de receberem ligações no celular. Eles ficaram, mas por pouco tempo. Dez minutos depois de entrarmos no ônibus, eles receberam a orientação de voltar para a garagem por medida de segurança. Fizemos uma gravação dentro do veículo e depois seguimos para a garagem, lá registramos as filas de ônibus que estavam voltando. 

No entorno, comerciantes fechavam as portas. Fomos entrevista-los e um deles me chamou atenção. Ele contou que era a terceira vez que estava fechando naquela semana, o prejuízo era enorme, mas ele estava feliz. Perguntei o porquê e ele contou que soube que a políca estava entrando na Vila Cruzeiro, esperava que isso significasse algo diferente que, dessa vez, eles entrassem para ficar.

O endereço virtual da matéria que segue abaixo tem um pouco de casa personagem, de cada passagem desse dia histórico. Minha missão no dia era registrar a reação dos moradores, precisava ficar no "asfalto" para captar a reação de quem vive ou trabalha nas áreas atingidas. Acredito que conseguimos.
http://www.youtube.com/watch?v=HNCMrwCRhxA

ESTA HISTÓRIA CONTINUA EM "O MORRO DO ALEMÃO"

1) A cobertura da ocupação no Morro do Alemão

O glamour fica por conta da imaginação de quem assiste à televisão. Vida de jornalista é, na maioria das vezes, transpiração, muuuita transpiração: sábado, domingo, feriado, Carnaval, Natal e Ano Novo são dias de trabalho.
Nós cobrimos a festa comemorada pelo resto do mundo, registramos beijos e abraços trocados entre amigos e parentes que não são os nossos e, desta forma, acabamos nos tornando uma família. Jornalistas saem com jornalistas, casam com jornalistas, falam, quase todo o tempo, sobre jornalismo.
Foi por tudo isso que quando recebi a notícia de que estaria de folga na segunda e na terça-feira quase não acreditei.
Folga em dia de semana? O que fazer? Pensei em praia, em academia, em viagem e quando começava a decidir, todas as opções caíram por terra.
O Rio de Janeiro estava sendo atacado: carros e ônibus queimados, arrastões, moradores apavorados. Só conseguia ficar em casa em frente à TV assistindo à onda de violência que crescia a cada momento (e cá entre nós, jornalista adora reclamar que trabalha muito, mas ficar em casa em meio a um grande acontecimento é uma verdadeira tortura).
Na quarta-feira de volta ao trabalho, a matéria não poderia ser outra: a onda de ataques que espalha o terror.

Neste endereço eletrônico, você assiste à reportagem que explica como foi esta "semana de terror" no Rio de janeiro.
http://www.youtube.com/watch?v=tiH5GJVHLUA
ESTA HISTÓRIA CONTINUA COM "OS ATAQUES"