Em outubro de 2006, 154 pessoas morreram em um acidente entre o vôo 1907 da Gol, que seguia de Manaus para o Rio, e um jato Legacy da empresa americana ExcelAire. Todas as vítimas estavam no avião. Os pilotos do jato, os americanos Joseph Lepore e Jan Paul Paladino nada sofreram, mas durante quase dois meses ficaram impedidos de deixar o País. O local onde eles aguardavam uma decisão da justiça foi mantido em sigilo até que tivemos a informação de que os dois estavam em um hotel de luxo na Praia de Copacabana, que pertecence à uma rede americana. Um esquema de segurança equivalente a de uma celebridade foi montado na tentativa de "blindar" os pilotos e eu fui escalada para me hospedar no hotel com uma câmera escondida para tentar registrar uma imagem dos dois ou, ao menos, confirmar a informação de que era lá mesmo que eles estavam.
Esse tipo de cobertura, em geral, é feito por produtores, jornalistas que não aparecem no vídeo e assim podem circular sem serem notados. Eu, nessa época, já trabalhava como repórter, o que tornava minha "missão" ainda mais difícil.
Ciurculando pelas áreas comuns do hotel fiz algumas descobertas. Uma delas era que o professor de ginástica da academia do hotel tinha perdido um parente no vôo. Ironia do destino, entre tantos hotéis na cidade, os pilotos tinham escolhido justamente aquele onde um dos funcionários estava diretamente ligado ao acidente. O homem estava revoltado com toda a situação e, durante a conversa me deu algumas notícias: 1) os pilotos realmente estavam hospedados lá 2) um andar inteiro tinha sido fechado e era proibido circular por lá 3) eles dificilmente saíam do andar . O quê fazer, então?
Jornalista é um ser insistente na sua essência, eu ainda tenho agravante de ser mulher, geminiana e apaixonada pela profissão.. Resumindo, posso ser extremamente chata e persistente a tal ponto que resolvi subir de escada os 16 andares que separavam o andar dos pilotos do meu. Câmera escondida acionada, ao chegar no andar dos dois encontrei dois (!) seguranças responsáveis apenas por vigiar o corredor.
Consegui fazer imagens deles antes que me vissem. Logo que me avistaram, comunicaram que era proibido circular por ali, me fiz de turista acidental, perguntei se havia alguma celebridade hospedada e eles negaram.
Já tinha garantido material para a reportagem do dia que relatava, entre outras notícias, exatamente como era esse esquema reforçado de segurança em torno dos pilotos americanos. O problema foi que gostaram tanto do material que, no lugar de me liberarem, pediram para ficar mais um dia hospedada no hotel para tentar pegar algo mais.
O único porém foi que, depois que a matéria foi ao ar, o esquema de segurança que já era pesado, virou uma fortaleza. No dia seguinte, ao abrir a porta da escada do andar onde estavam os pilotos, em vez de encontrar dois segurança, me deparei com seis brutamontes, entre eles um que deveria ser o coordenador e não estava nada feliz em ver a jornalista responsável por burlar todo o esquema montado. Ao me ver, ele estendeu a mão e disse secamente "Olá jornalista Mariana Procópio. Sei que você está com uma câmera escondida e posso mandar prendê-la por isso".
Respondi que achava que, se alguém devia ir para cadeia naquela situação, dificilmente seria eu, e sim os pilotos que ele tentava proteger. Peguei minhas escadas de volta e deixei o hotel. Poucos dias depois, saíram também os pilotos americanos, que na volta para os Estados Unidos foram recebidos como heróis.
Somente agora, em maio de 2011, Joseph Lepore e Jan Paul Paladino foram julgados pela justiça brasileira. Os dois foram condenados a prestar serviços comunitários pelo crime de atentado contra a segurança do transporte aéreo. Eles poderão cumprir a pena nos Estados Unidos, onde vivem atualmente. Paladino trabalha na companhia American Airlines, e Lepore continua na empresa de táxi aéreo ExcelAire, proprietária do Legacy. Ainda cabe recurso da decisão.


