A medida que eu aprendia o caminho daquelas ruas, becos e vielas, me familiarizava com as pessoas que lá viviam. No fim de uma semana, passei a conhecer o dono da barraca de doces, do açougue, a vendedora da loja de vestidos (onde , claro, fiz uma aquisição que rende elogios até hoje)...
Me impressionou especialmente a quantidade de crianças que encontrava. De diferentes idades, elas lá vivem soltas na rua, são livres como não conseguem ser a maioria daquelas nascidas em berços mais abastados. Estão sempre sorrindo. Enquanto com os adultos eu precisava quebrar uma resistência inicial, com as crianças, a empatia era imediata. Elas se aproximavam, faziam perguntas, respondiam outras tantas e logo estavam me abraçando como se eu fosse uma velha conhecida. São carentes e também ingênuas. Puras e esperançosas. Têm o olhar repleto de expectativa que já não habita a maioria dos rostos mais velhos, castigados pela dura realidade.
Lembro de um dia ter estacionado o carro perto de onde estava um grupo de crianças. Estava um calor daqueles típico do verão carioca e o ar condicionado do carro estava ligado. Pouco antes de saltar, quando ainda estava tirando da bolsa os objetos que iria usar no meu dia de trabalho, as crianças se aproximaram. Eu abri a janela do carro e duas delas logo colocaram a cabeça para dentro. Ao sentir a temperatura mais amena do interior do veículo, elas abriram o sorriso e me olharam supresas "Mas aqui está geladinho!". "É o ar condicionado. Gela o ar", eu expliquei. "Posso dormir aqui?", um delas indagou de pronto.
Diante de toda essa experiência sugeri na redação fazermos uma reportagem para fechar a semana mostrando de perto como eram esses moradores, os grandes e pequenos. Uma matéria leve, sem pauta pré definida, buscando personagens e depoimentos. A proposta foi aceita e na sexta-feira saímos eu e o cinegrafista Dil Santos pelas ruas do Alemão à procura de histórias.
Encontramos um mototaxistas que já pensava em fazer curso de inglês para atender turistas e também um baleiro que queria construir um parque para crianças. No caminho, cruzamos com uma equipe do Sebrae, o serviço voltado para a pequena e média empresa. Os funcionários estavam percorrendo a favela para fazer um levantamento inicial de quantos estabelecimentos comerciais existiam lá e qual era situação deles, se estavam legalizados.
Num ambiente onde até as ligações de energia são clandestinas, encontrar um comerciante com CNPJ é como achar um diamante num deserto. Mas não é que aqueles técnicos tinham encontrado uma pedra preciosa? Surpresos, contaram que um dos salões de beleza do alto da favela estava devidamente registrado.
Resolvemos ir até lá. Ao chegar, mais uma supresa: o salão era especializado em "cortes com estilo", serviço que tinha se tornado mania entre a garotada que morava por ali. Os proprietários, dois irmãos vindos do Nordeste, eram verdadeiros artistas: com a máquina de cortar cabelo faziam desenhos incríveis na cabeça das crianças que, pelas ruas esburacadas de terra batida, desfilavam orgulhosas. O preço do encanto? Sete reais.
Assim que cheguei, o salão estava vazio. Fomos dar uma volta, retornamos uns vinte minutos depois e tcharam.. tinha até "fila"! Descalços e sem camisa, meninos que deviam ter no máximo 11 anos se espremiam no banco à espera do próximo corte. O melhor foi a resposta de um destes clientes mirins ao ser indagado pela repórter aqui o que o levou a cortar o cabelo nesse estilo. "Para ficar bonito e pegar mulher". Elementar...
Neste endereço eletrônico, é possível assistir a reportagem que mostra o salão de beleza mais estililoso do Alemão e seus clientes cheios de "más intenções"...
http://www.youtube.com/watch?v=Jff-mVnWns0&feature=related
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